A expressão “não aguento mais” pode caracterizar o simples desabafo de uma pessoa diante da própria incapacidade quando se vê diante de situações concretas, objetivas, rotineiras e não encontra a solução das mesmas. Como exemplo, podemos citar momentos nos quais um trabalhador qualquer, diante de uma responsabilidade profissional, pressionado, busca incessantemente a solução e não consegue encontrá-la. No exemplo citado acima, a simples busca de assessoramento com outros profissionais pode resolver o problema. Porém, o que desejo abordar neste texto refere-se aos sentimentos enfrentados por um grupo significativo de pessoas que utilizam a mesma expressão supracitada, por conta de um estado de profundo sofrimento, caracterizado por aproximação de um limite, aparentando um pedido de ajuda e uma possível convivência com situação de risco, em virtude de uma psicopatologia denominada depressão.
Atualmente a depressão é uma palavra que surge a cada dia com mais frequência nos bate-papos entre leigos e nos encontros entre profissionais da saúde, e parece existir uma causa para esse aumento de interesse. Em nossa prática diária se tornou comum percebermos características de comportamento depressivo expressos nos relatos e gestos de pessoas que procuram tratamento psicoterápico. O surgimento desse fenômeno cria um questionamento: a depressão é mais comentada e mais diagnosticada por conta da melhor informação ou vivemos um momento de crescimento de manifestações dessa psicopatologia? Em princípio, temos três convicções que exporemos a seguir: a) a depressão traz sofrimento profundo nas pessoas que experimentam seus efeitos; b) é uma psicopatologia importante e que pode trazer riscos significativos; e c) a frequência maior de episódios depressivos, contidos nos relatos e gestuais, devem ser observados com muita reserva e atenção.
Em nosso entendimento, o olhar clínico deve buscar inicialmente a proporcionalidade entre um provável fato gerador e os sintomas, para que em um segundo momento possamos caracterizar aquele estado depressivo como patológico ou situacional. Os sintomas podem estar relacionados com momentos que o justificam, portanto, proporcionais ao fato gerador. Como exemplo, podemos citar casos de falecimento de pessoas próximas, separações, má condição financeira, diagnósticos de doenças graves (HIV, tumores malignos), dentre outros. Momentos nos quais, a pessoa afetada e outros próximos, poderão sentir como se uma força invisível estivesse provocando desesperança, visão negativa de mundo, falta de energia, dificuldade em agir etc. Por outro lado, existem casos nos quais o conjunto de sintomas relatados e observados não são, aparentemente, provocados por alguma causa objetiva, nos levando crer na existência de uma provável patologia instalada ou em processo de instalação (Pinel, 2005). Contudo, existe a possibilidade de ocorrer o desencadeamento de depressão patológica por questões situacionais ou ambientais. Nesses casos, a pessoa já acometida pela psicopatologia detinha perfil que a predispunha para o desencadeamento do processo depressivo.
O texto em forma de monólogo apresentado abaixo não demonstra de forma completa a síndrome depressiva, mas nos ajudará entender o que se passa no cotidiano de uma pessoa acometida por essa psicopatologia, além de caracterizar o profundo sofrimento vivido.
“… se arrasta sobre você silenciosamente. No inicio você luta contra as coisas pequenas, mas normalmente escolhe ignorá-las. É como uma dor de cabeça que você insiste em dizer que é temporária, que vai passar. Que é só mais um dia ruim, mas não é, você está preso nesse estado mental. …acostuma a colocar uma mascara social, continua a viver em meio as pessoas, porque é isso que você tem que fazer. É isso que os outros fazem. … o problema não passa, e você luta para levantar todo o dia, e começa ficar mais difícil a cada dia. … cai mais fundo ainda e é ai que você vai aos poucos afastando da família e amigos, se isolando completamente. Toda a satisfação vai embora. As pequenas coisas que te alegravam, são agora sem importância, e mesmo tarefas mais simples tornam-se dolorosas, e é ai que começa faltar motivação. Por que continuar tentando se nada te faz feliz? Tudo te faz sentir-se ainda pior e você se vê preso num circulo vicioso. … vivendo em câmara lenta. Os dias se torna indistinguíveis. … Você sente que nunca será feliz novamente. … continua recuar e destruir relacionamentos. … se envergonha de tudo que faz e de tudo que não fez. … uma súbita onda de positividade o faz querer sair e encontrar pessoas, mas tudo passa muito rápido, porque você sabe que não vai funcionar …. Coisas que deixam seus amigos animados, o deixam indiferente e você fica ciente do imenso abismo entre vocês. Outro fracasso não é uma opção, então no fim você decide ficar na sua zona de conforto onde ninguém faz nenhuma pergunta. A baixa autoestima e falta de propósito, tornam-se insuportáveis. Você finalmente percebe que não pode ficar desse jeito e duas coisas podem acontecer, ou você decide buscar ajuda ou você …” (Parte da tradução do monólogo “Vivendo com depressão” retirado do Youtube).
Um aspecto importante que devemos observar, além das sensações vivenciadas por uma pessoa deprimida, uma outra face dolorosa pode se revelar nos momentos de contatos com pessoas significativas, provocadas pela intolerância e a incompreensão. É comum o deprimido ouvir indagações como “é maluco?”, “deixe de ser preguiçoso”, “você tem que trabalhar”, “isso é só para chamar atenção”, “isso está na sua cabeça”, “você tem que dominar seus pensamentos”, “você não tem motivo para estar assim”, “amanhã você vai estar melhor”, “se você tomar remédio vai se viciar”, “você está precisando sair para se divertir”, “existem pessoas com situação muito pior do que a sua” etc. Observações que não ajudam e provocam no deprimido o sentimento de culpa, como se ele fosse capaz de controlar os sintomas da doença, sem auxílio profissional e de todas as pessoas próximas (familiares e amigos).
A OMS (Organização Mundial da Saúde) em sua nota descritiva nº 369 de abril de 2016, estima que no mundo 350 milhões de pessoas são afetadas por essa síndrome, além de apresentar outras informações a respeito da depressão no mundo. A ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos), traz várias informações sobre as ações dessa organização, que ajudam a compreensão da problemática, além de reforçar o pensamento de que essa psicopatologia é grave e que deve ser tratada com providências que alcancem o acometido e pessoas próximas. Ou seja, o tratamento implementado pelo psicólogo e/ou psiquiatra deverá ser reforçado por apoio e orientação a familiares e amigos para que obtenha sucesso.
Quem é acometido por depressão sofre e seu sofrimento pode chegar a níveis que podem conduzir até mesmo ao suicídio. Portanto, nunca devemos subestimar e/ou ignorar uma pessoa com depressão. O tratamento psicoterápico é fundamental para a evolução positiva do quadro depressivo, pois através dele a pessoa poderá encontrar ajustamentos que permitam uma renovação dos conceitos que ela tem de si, do outro e do mundo, através do desenvolvimento de instrumental que a permite vivenciar todos os sentimentos reguladores e encontrar uma renovada condição funcional e saudável. Resumindo: viver novamente com energia e prazer, além de aprender a lidar com situações adversas, sem permitir o desencadeamento da face patológica da depressão.
As abordagens psicoterápicas possuem formas organizadas para o tratamento da depressão, embora cada uma delas possuam características próprias, definidas por conceitos que estruturam sua base epistemológica. Contudo, a escolha da abordagem dependerá de alguns fatores relacionados com as preferências do paciente e disponibilidade de profissionais psicólogos no mercado local. Como exemplo, falarei de forma resumida sobre como a abordagem denominada Gestalt-Terapia organiza o tratamento de pessoas acometidas de depressão. Segundo Yano (2015), a Gestalt-Terapia caracteriza seu atendimento por lidar com os fenômenos presentes na existência do paciente no seu momento real (aqui e agora), momento em que se busca permitir ao paciente o dar-se conta (awareness) do que sente, vivenciando, experimentando, compreendendo aspectos ou a totalidade de seu mundo interior (tomada de consciência), sempre considerando a patologia como ausência de sensação ou entorpecimento e de funcionamento resultante de vários fatores (biomédicos e psicossociais).
Para algumas pessoas, devido à característica do acometimento, será recomendado o tratamento psicoterápico em conjunto com o medicamento prescrito por médico psiquiatra. Cada caso é avaliado singularmente, de tal forma que existirão pacientes tratados com psicoterapia e outros tratados também com medicamentos. O importante é reconhecer o avanço e a gravidade dessa psicopatologia e buscar tratamento adequado que alivie o processo de sofrimento. Essas providências permitirão, ao acometido por depressão, conquistar no prazo mais rápido possível instrumentalização adequada e o encontro do ajustamento funcional necessário à convivência diária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – La depression – Nota descritiva N°369 de Abril de 2016 – Em http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs369/es/ – Acesso em 01 de novembro de 2016, às 20 horas.
PINEL, J. P. J. – Biopsicologia – 5. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2005.
YANO, L. P. – A clínica em gestalt-terapia: a gestalt dos atendimentos nos transtornos depressivos – Rev. NUFEN [online]. 2015, vol.7, n.1, pp. 67-85. ISSN 2175-2591.